Texto: Luiza Caires / Arte: Joyce Tenório* / Jornal da USP
Jônatas de Oliveira – Foto: Arquivo pessoal
O nutricionista diz que “a intencionalidade por trás do regime de jejum adotado representa um fator-chave para o impacto emocional e comportamental”, e por isso mesmo ele optou por estudar o efeito da prática nos desejos intensos por comida (food cravings).
Segundo ele, os dados sugerem que o jejum, ao invés de ser uma estratégia eficaz de controle alimentar, pode estimular um um ciclo de restrição e descontrole, agravando sintomas de compulsão. “Essas práticas não apenas comprometem a relação do indivíduo com a alimentação, mas também têm implicações para a saúde mental”, diz.
E acrescenta que “nem os riscos nem os benefícios do jejum intermitente foram totalmente estudados ainda. Ele pode ter resultados positivos em curto prazo para indivíduos que não são predispostos a desenvolver transtornos alimentares, mas pode ser prejudicial para populações que estão no grupo de risco, como adolescentes”.
O pesquisador adverte ainda que os modelos experimentais (pesquisas feitas em animais) que mostram efeitos benéficos do jejum não são adequados, pois não representam a linha do tempo de um jovem adulto que já realizou dietas anteriormente – lembrando que as dietas promovem impactos metabólicos e comportamentais em quem as pratica.
Entidades de saúde, como a Associação Brasileira de Nutrição, também pedem cautela e que as orientações já consolidadas durante anos de pesquisas sejam as indicadas aos pacientes.
O parecer técnico de 01/2019 diz que “são necessários ensaios clínicos controlados randomizados, especialmente de longo prazo e envolvendo humanos, sob jejum intermitente versus dietas convencionais de restrição calórica contínua que permitam comprovar a eficácia” do jejum e “sobretudo seus potenciais efeitos adversos”.
A Asbran afirma que as alegações para a utilização do jejum ainda são insuficientes para sua recomendação, e que uma alimentação adequada e saudável é “baseada nos princípios e recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, orientada por um nutricionista habilitado”, e aquela “associada à prática de exercícios físicos e bons hábitos de vida”. Diz também que “é dever do nutricionista analisar criticamente questões técnico-científicas e metodológicas de práticas, pesquisas e protocolos divulgados na literatura ou adotados por instituições e serviços, bem como a própria conduta profissional”.
Existem transtornos alimentares já bem definidos na literatura médica. A anorexia nervosa, por exemplo, é um transtorno em que a pessoa tem um medo excessivo de ganhar peso, provocando restrição alimentar e redução no consumo de alimentos, o que leva a uma perda significativa de peso sem que a pessoa note. Isso acontece porque a pessoa apresenta uma alteração na percepção real do seu peso e silhueta corporal.
Já a bulimia nervosa é caracterizada por episódios frequentes de compulsão alimentar, nos quais há um consumo de grandes quantidades de comida, seguido de comportamentos compensatórios inadequados como práticas purgativas, ficar sem comer e praticar exercícios em excesso para tentar controlar o peso.
Por fim, o transtorno de compulsão alimentar tem como principal característica episódios frequentes de comer exageradamente, mesmo quando não se tem fome. Existe uma perda do controle sobre o que se comer, mas não existem comportamentos compensatórios com a intenção de eliminar o que comeu.
Mas mesmo sem ter algum desses transtornos alimentares diagnosticados, muitas pessoas podem apresentar sinais de alerta, conhecidos como o “comer transtornado”. “Todo transtorno alimentar é um comer transtornado, mas nem todo comer transtornado é um transtorno alimentar”, diz Jônatas de Oliveira, ao explicar a linha de transição.
Muitas pessoas praticam jejum, “se livram” da comida, ou fazem exercício compensatório, com a intenção de “gastar” o que comeu – que são comportamentos verificados no transtorno alimentar. Mas elas ainda não preenchem todos os critérios para o diagnóstico.
“No comer transtornado, há cognições e crenças que vão levar a comportamentos com algum nível de sofrimento, sim, sempre relacionado ao corpo. Mas escolhemos usar o termo ‘comer transtornado’ para não sair classificando tudo como transtorno alimentar, que tem uma prevalência relativamente baixa na população em geral, e assim não medicalizar as pessoas excessivamente.”
Mais informações: e-mail oliveira.jonatas@usp.br
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