Um exemplo que não seguimos *

Quando nos comparamos com os EUA ou os países desenvolvidos da Europa Central, encontramos vários aspectos que explicam o nosso, já antigo, atraso económico e social. Desde a Revolução Industrial que quem liderou a criação de riqueza foram os países onde existiam minas de carvão e outros recursos naturais a partir dos quais isso aconteceu. Ali, havia também uma relação diferente com o trabalho, pois as sociedades protestantes sempre colocaram mais energia na prevenção dos azares, do que as católicas que se focam mais na explicação do que não nos é favorável. O “se trabalharmos arduamente as coisas correrão bem” dessas paragens, contrasta com o nosso “se as coisas não correrem bem, é porque fizemos por o merecer”. Perante um ponto de partida tão diferente teríamos mesmo de aceitar o nosso atraso. Lá está. As coisas são como são, e por isso teríamos de as aceitar. E é então que nos deparamos com um caso que abala esta visão que só serve para nos anestesiar na nossa resignação. A Irlanda, tal como nós, um país de matriz católica, periférico e sem recursos naturais, tem conseguido resultados económicos que, pelo menos, nos devem fazer pensar sobre as nossas decisões das últimas décadas. Em 1986, quando entramos na CEE, a riqueza criada per capita na Irlanda era cerca de 4.000 dólares superior à nossa, mas desde então, essa diferença aumentou para os 75.000 dólares. E digo, 75.000 dólares a mais, por pessoa, em cada ano. Então, não é a Irlanda um país igualmente católico? Não é a Irlanda um país igualmente periférico? Não é a Irlanda um país igualmente sem recursos naturais? Em que é que ficamos nas comparações tradicionais? O que é que os irlandeses fizeram de maneira diferente dos portugueses? Sem mergulhar em grandes detalhes técnicos, podemos simplificar a explicação dizendo que eles foram muito melhores que nós, mesmo muito melhores, a atrair empresas e negócios. Quando o bolo é maior, há mais para distribuir e perante um bolo pequeno, é normal que se lute por migalhas. A riqueza criada numa economia funciona da mesma forma. Por falta de espaço neste texto não irei aqui elaborar sobre a comparação das taxas de imposto cobrado a particulares e a empresas nestes dois países, mas a diferença é realmente enorme. Quem quer atrair negócios e riqueza, não deve complicar a vida às empresas, tal e qual como não é com vinagre que se atraem moscas. E a diferença na riqueza produzida permitiu que o salário mínimo irlandês seja de 2.146 euros, o que contrasta com os nossos 956 euros. No salário médio a diferença ainda nos é mais desfavorável. As consequências destas diferenças de rendimento na qualidade de vida dos dois povos são óbvias. O nosso melhor clima, gastronomia e exposição solar não são suficientes para nos dar a liberdade de escolha que os irlandeses têm, pois no fim das contas é óbvio que os pobres são menos livres. Alcançar uma vida melhor teria sido possível, e ainda será, mas nestes anos consumimos mais uma geração a preferir almoçar e jantar ideologia. Tudo isto é muito irritante e há uma outra consequência com que, ao contrário dos irlandeses, hoje temos de lidar. Refiro-me ao peso eleitoral de um partido que na sua essência se pode descrever como um partido que atrai pessoas irritadas. O Chega irlandês nunca singrou, pois os irlandeses não querem mudar a Irlanda. Desejam apenas manter a trajectória que os trouxe até aqui.   * Texto publicado no jornal O Portomosense

Jan 15, 2025 - 10:06
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Um exemplo que não seguimos *

Quando nos comparamos com os EUA ou os países desenvolvidos da Europa Central, encontramos vários aspectos que explicam o nosso, já antigo, atraso económico e social. Desde a Revolução Industrial que quem liderou a criação de riqueza foram os países onde existiam minas de carvão e outros recursos naturais a partir dos quais isso aconteceu. Ali, havia também uma relação diferente com o trabalho, pois as sociedades protestantes sempre colocaram mais energia na prevenção dos azares, do que as católicas que se focam mais na explicação do que não nos é favorável. O “se trabalharmos arduamente as coisas correrão bem” dessas paragens, contrasta com o nosso “se as coisas não correrem bem, é porque fizemos por o merecer”. Perante um ponto de partida tão diferente teríamos mesmo de aceitar o nosso atraso. Lá está. As coisas são como são, e por isso teríamos de as aceitar.

E é então que nos deparamos com um caso que abala esta visão que só serve para nos anestesiar na nossa resignação. A Irlanda, tal como nós, um país de matriz católica, periférico e sem recursos naturais, tem conseguido resultados económicos que, pelo menos, nos devem fazer pensar sobre as nossas decisões das últimas décadas. Em 1986, quando entramos na CEE, a riqueza criada per capita na Irlanda era cerca de 4.000 dólares superior à nossa, mas desde então, essa diferença aumentou para os 75.000 dólares. E digo, 75.000 dólares a mais, por pessoa, em cada ano.

Então, não é a Irlanda um país igualmente católico? Não é a Irlanda um país igualmente periférico? Não é a Irlanda um país igualmente sem recursos naturais? Em que é que ficamos nas comparações tradicionais? O que é que os irlandeses fizeram de maneira diferente dos portugueses? Sem mergulhar em grandes detalhes técnicos, podemos simplificar a explicação dizendo que eles foram muito melhores que nós, mesmo muito melhores, a atrair empresas e negócios. Quando o bolo é maior, há mais para distribuir e perante um bolo pequeno, é normal que se lute por migalhas. A riqueza criada numa economia funciona da mesma forma.

Por falta de espaço neste texto não irei aqui elaborar sobre a comparação das taxas de imposto cobrado a particulares e a empresas nestes dois países, mas a diferença é realmente enorme. Quem quer atrair negócios e riqueza, não deve complicar a vida às empresas, tal e qual como não é com vinagre que se atraem moscas. E a diferença na riqueza produzida permitiu que o salário mínimo irlandês seja de 2.146 euros, o que contrasta com os nossos 956 euros. No salário médio a diferença ainda nos é mais desfavorável.

As consequências destas diferenças de rendimento na qualidade de vida dos dois povos são óbvias. O nosso melhor clima, gastronomia e exposição solar não são suficientes para nos dar a liberdade de escolha que os irlandeses têm, pois no fim das contas é óbvio que os pobres são menos livres. Alcançar uma vida melhor teria sido possível, e ainda será, mas nestes anos consumimos mais uma geração a preferir almoçar e jantar ideologia. Tudo isto é muito irritante e há uma outra consequência com que, ao contrário dos irlandeses, hoje temos de lidar. Refiro-me ao peso eleitoral de um partido que na sua essência se pode descrever como um partido que atrai pessoas irritadas. O Chega irlandês nunca singrou, pois os irlandeses não querem mudar a Irlanda. Desejam apenas manter a trajectória que os trouxe até aqui.

 

* Texto publicado no jornal O Portomosense

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