Sean Baker: “O que é o sonho americano hoje?”, reflete o diretor sobre “Anora”

Sean Baker tem uma carreira marcada por histórias de outsiders e trabalhadores sexuais. Desde “Tangerine” (2015) — filmado inteiramente com um iPhone e protagonizado por um elenco majoritariamente trans — até “The Florida Project” (2017) e “Red Rocket” (2021), que explora a vida de um ex-astro do cinema pornô. Agora, Baker retorna com “Anora” (2024), […] O post Sean Baker: “O que é o sonho americano hoje?”, reflete o diretor sobre “Anora” apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.

Jan 23, 2025 - 06:27
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Sean Baker: “O que é o sonho americano hoje?”, reflete o diretor sobre “Anora”

Foto: Divulgação

Sean Baker tem uma carreira marcada por histórias de outsiders e trabalhadores sexuais. Desde “Tangerine” (2015) — filmado inteiramente com um iPhone e protagonizado por um elenco majoritariamente trans — até “The Florida Project” (2017) e “Red Rocket” (2021), que explora a vida de um ex-astro do cinema pornô. Agora, Baker retorna com “Anora” (2024), vencedor da Palma de Ouro em Cannes, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (23.01). A comédia romântica ousada acompanha Ani, ou Anora (Mikey Maddison), uma stripper de alto nível que trabalha em um clube no Brooklyn, Nova York. Lá, ela conhece Ivan “Vanya” Zahkarov (Mark Eydelshteyn), o filho mimado de um oligarca russo. A conexão é imediata, inicialmente pelo idioma que compartilham, e Ani acredita ter encontrado seu príncipe encantado. Mas o sonho logo começa a virar pesadelo.

Após explorar personagens à margem, em “Anora”, Baker volta seu olhar para uma família de oligarcas russos. Sai o white trash, entra a máfia russa. “Normalmente me concentro em subculturas e microcosmos, que talvez sejam únicos e que muitas pessoas, à primeira vista, não acham que poderiam se identificar. Estou contando histórias universais, e uma delas é: o que diabos é a versão atualizada do sonho americano? Infelizmente, isso está muito ligado ao dinheiro e à afluência. Muitas coisas têm essa sensação de conto de fadas — ganhar na loteria, casar com alguém rico, ter bens materiais. Esses certamente são temas que me interessam”, reflete o diretor.

Os diálogos da cena em que Ivan propõe casamento a Anora lembram outra comédia romântica sobre o romance entre um milionário e uma prostituta: “Uma Linda Mulher” (1990). “Não tenho problema com essa comparação. É um filme icônico e acho que isso ajuda o meu. Mas, honestamente, ele não estava entre minhas referências. Só percebi a semelhança na primeira semana de filmagem, quando alguém comentou isso”, contou Sean Baker à BAZAAR por videochamada. “Agora, quando comparam meu filme com títulos contemporâneos, tenho problemas. Minhas influências vêm do cinema dos anos 1970 e 1980, como ‘Um Príncipe em Nova York’ (1988) e os filmes de Jonathan Demme, principalmente ‘Totalmente Selvagem’ (1986). Essas comparações, eu adoro”, conclui.

Cena de “Anora” – Foto: Divulgação

Ao receber a Palma de Ouro em Cannes, Baker fez um discurso politizado em defesa dos trabalhadores sexuais. Na França, onde o festival acontece, a prostituição não é crime, mas há uma lei que criminaliza quem paga por sexo. Por que essa homenagem? “Por respeito. Já fiz cinco filmes sobre o tema, então achei que era o mais apropriado naquele momento. Sem suas histórias e vozes, esses filmes não existiriam. Quis homenageá-los. Não poderia ter feito esses filmes sem eles”, afirma.

Sean Baker acredita que o cinema pode ajudar a quebrar estigmas. “Não sei se um filme pode, sozinho, provocar uma grande mudança, mas pode ser um pequeno passo nessa direção. É o que tenho feito em todos os meus trabalhos: um passo por vez, tentando afastar o estigma. Sempre que posso me expressar, defendo a descriminalização do trabalho sexual, mas sem ser muito militante. Quero que o maior número possível de pessoas assista aos meus filmes. Vamos ver.”, reforça. “É interessante perceber a reação do público, especialmente daqueles que criaram uma conexão com a personagem de Ani e torceram por ela. Quando ouço isso, inclusive de espectadores mais velhos e conservadores, que não seriam os primeiros a aceitar essa profissão, isso significa muito para mim.”

O filme reserva várias surpresas, e uma das maiores é o talento de sua protagonista, Mikey Maddison. A jovem atriz, apontada pela Variety como uma das favoritas ao Oscar de 2025, mantém os pés no chão: “Não tenho nenhuma expectativa. Estou muito feliz que o filme esteja sendo bem recebido e que as pessoas estejam se divertindo e se conectando aos personagens de alguma forma”, comenta.

Baker descobriu Mikey ao assistir a “Era Uma Vez Em… Hollywood” (2019), de Quentin Tarantino. “Ela rouba os últimos 15 minutos do filme, cheia de energia. Como eu mesmo faço o casting dos meus filmes, fiquei com ela na cabeça. Quando chegou a hora de fazer ‘Anora’, fui ver ‘Pânico’ (2022) com minha esposa no cinema e decidi que queria trabalhar com ela”, relembra. O que mais impressionou Baker foi o contraste entre Mikey e sua personagem. “Ela é o oposto de Ani: super reservada, até um pouco tímida. Foi aí que percebi como ela é uma excelente atriz, o que me deu ainda mais confiança de que tinha feito a escolha certa.”

Mikey Maddison em “Anora” – Foto: Augusta Quirk/Divulgação

Mikey Maddison também esteve em Londres para o lançamento de “Anora”. Um pouco tímida, mas simpática e articulada, a atriz compartilha com a BAZAAR o que mais a encantou ao interpretar a personagem: “Foi um papel dos sonhos, porque pude aprender coisas muito diferentes, como dança e até falar russo. Anora é apaixonada, tem um espírito de luta, mas também é muito sensível, embora esconda isso por causa de sua vida e da situação em que se meteu. Ela está tentando lidar com tudo isso.”

Mikey destaca a preparação intensa para o papel: “Fiz uma grande pesquisa sobre trabalhadores sexuais e fiquei muito grata por essa experiência. Anora enfrenta muita coisa em um curto período, e eu precisava entender onde ela estava emocionalmente em cada cena, as nuances e os desafios, para que o arco de suas emoções não ficasse repetitivo. Foi um aprendizado incrível.”

A atriz acredita que o poder no trabalho sexual varia de acordo com as escolhas e experiências de cada indivíduo. Durante sua preparação para o papel, ela conversou com Andrea Werhun, autora da biografia “Modern Whore”, que compartilhou sua perspectiva de empoderamento, paixão e habilidade no trabalho sexual, inspirando a atriz a construir a conexão de Ani com esse universo. “Achei que a personagem poderia ter uma ligação com ela de alguma forma”, explica. Ela também se surpreendeu com o que descobriu ao mergulhar nesse tema: “Não sabia quase nada sobre esse mundo antes de começar. Entrei com uma perspectiva limpa, sem preconceitos, e isso foi ótimo. Pude enxergar o quanto essa comunidade é admirável e desenvolvi um enorme respeito por esse trabalho. Fiz amigos incríveis e sou profundamente grata por essa experiência.”

Baker é conhecido por oferecer liberdade criativa aos atores durante as filmagens, algo que Mikey aproveitou ao mergulhar na personagem. “Queria que fosse real e honesto, e fiquei muito feliz com o resultado. Conversávamos o tempo todo. Ele me deu muita liberdade para criar Ani, mas também sabia exatamente o que queria. Trabalhamos juntos nesse equilíbrio”, comenta. Em algumas cenas, Baker apenas descrevia a situação, deixando espaço para a criação dos detalhes. “Por exemplo: Ani mostra seus dotes como dançarina para Ivan. Ok, mas como seria isso? Sugeri que ela fizesse um strip tease, e começamos a criar. Trabalhei com minha instrutora de dança, em Los Angeles, para montar uma coreografia, escolhi a música e o figurino e apresentei tudo ao Sean. Ele adorou. A cena acabou virando um clipe”, conta.

Love and peace

Foto: Drew Daniels/Divulgação

Outro destaque do elenco é o ator russo Yura Borisov, que interpreta Igor, um dos capangas da família de Ivan. “Yura é um ator incrível. Ele tem essa formação clássica russa, do método Stanislavski, e foi muito interessante trabalhar com alguém que segue esse método. Ele entrou no personagem de forma orgânica, o que nos ajudou a mergulhar nos nossos próprios papéis”, conta Mikey ao relembrar momentos das filmagens. “Teve um dia em que torci o tornozelo e quebrei uma unha, e ele me ajudou a colar a unha com cola médica. Por algum motivo, ele sempre carregava um frasco dessa cola no bolso. Pode ser que ele estivesse apenas agindo como seu personagem, mas achei ele um cara maravilhoso. Nossa química funcionou.”

Foto: Divulgação

Em tempos de alta sensibilidade e ofensas fáceis, questões políticas tornam-se ainda mais delicadas. Em Cannes, alguns espectadores expressaram desconforto com a forma como os personagens russos foram retratados. “Esse projeto está em desenvolvimento há mais de 15 anos. Estamos vivendo um momento difícil, e todos os envolvidos gostariam de ver um cessar-fogo imediato. Mas a história do filme se passa em 2019, antes da guerra entre Rússia e Ucrânia, e não tem nenhuma relação com o conflito atual. É a história de uma jovem trabalhadora sexual. Não faz sentido responsabilizar os artistas pelas ações de seus governos. Tivemos artistas de diferentes origens trabalhando juntos, criando algo positivo”, afirma Baker.

O diretor ressalta a convivência retratada no filme: “A história se passa no Brooklyn, onde ucranianos, russos e americanos trabalham lado a lado. Meu interesse era mostrar as pessoas unidas, e fiquei feliz em mostrar um lado positivo desses encontros.” E finalizou com um apelo: “Give peace a chance!” (“dê uma chance à paz”, em tradução livre).

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