“O Brutalista” e “Emília Pérez” usaram IA na voz de seus atores. Isso muda a corrida do Oscar?
O uso da tecnologia repercutiu de forma negativa – mas prática tem sido cada vez mais comum em Hollywood. Entenda.
O drama de época O Brutalista e o musical Emília Perez foram os grandes vencedores do Globo de Ouro 2025. O feito, aliado a outras vitórias e nomeações desta temporada de prêmios, fez com que os dois filmes se tornassem fortes candidatos ao Oscar, cujos indicados serão anunciados nesta quinta (23). Mas notícias recentes sobre essas produções podem abalar esse favoritismo.
Em uma entrevista para o site Red Shark News, o editor Dávid Jancsó, montador de O Brutalista, revelou que o filme usou inteligência artificial para construir alguns prédios que aparecem em cena e, o que mais chamou atenção, para realçar o sotaque húngaro dos atores americanos Adrien Brody e January Jones.
O Brutalista acompanha a história de Lázló Toth, um arquiteto judeu que vai morar nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Brody, que é filho de uma refugiada húngara, interpreta Toth. Já Jones vive a esposa do protagonista, Erzsébet. Toth começa a nova vida trabalhando na indústria do carvão – até que um ricaço decide apostar em seus projetos inovadores.
De acordo com Jancsó, Brody e Jones passaram meses treinando com uma especialista em sotaque para aperfeiçoar a interpretação. Mas, mesmo com esse intensivão (e com os atores redublando suas cenas na pós-produção, algo típico em Hollywood), o resultado ainda estava aquém do esperado.
“Sou um falante nativo de húngaro e sei que é uma das línguas mais difíceis de aprender a pronunciar”, disse Jancsó ao Red Shark News. “(…) Se você vem do mundo anglo-saxão, certos sons podem ser particularmente difíceis de entender. (…) [Os atores] fizeram um trabalho fabuloso, mas queríamos aperfeiçoá-lo para que nem mesmo húngaros notassem qualquer diferença.”
A equipe do filme, então, usou Respeecher, um software ucraniano. A partir das vozes de Brody e Jones, que consentiram com esse processo, a produção treinou o programa (inclusive, com a voz do próprio Jancsó) para mudar a sonoridade de algumas letras e vogais. O Reespecher, vale dizer, tem sido bastante usado em Hollywood, como por exemplo para a voz do ator James Earl Jones (o Darth Vader) na série Obi-Wan Kenobi).
“Esse foi um processo manual, feito por nossa equipe de som e pelo Respeecher na pós-produção”, disse o diretor do filme, Brady Corbet, para o Hollywood Reporter. “O objetivo era preservar a autenticidade das performances de Adrien e Felicity em outro idioma, não substituí-las ou alterá-las e feito com o máximo respeito pelo ofício.”
Parte dessa decisão também aconteceu para acelerar a pós-produção. O Brutalista levou sete anos para ser feito. Tem mais de três horas de duração e custou menos de US$ 10 milhões (uma mixaria se compararmos com o orçamento de grandes lançamentos de Hollywood).
Em Emília Perez, a confissão sobre o uso de IA aconteceu ainda em maio, durante do Festival de Cannes (no qual o filme levou o Grande Prêmio de Júri), numa entrevista com um dos mixadores de som do longa, Cyril Holtz.
Emília Perez é um musical francês que se passa no México. A protagonista que dá nome ao filme (interpretada pela atriz trans espanhola Karla Sofía Gascón) comanda um grupo de narcotráfico. Identificada como homem no nascimento, ela realiza a transição de gênero e, para fugir das autoridades e da vida de crimes, conta com a ajuda de uma advogada, Rita (Zoe Saldaña). Segundo Holtz, a IA foi usada para aumentar o alcance vocal de Gascón.
Como isso afeta o Oscar?
Nas regras gerais da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, não há nenhuma menção à inteligência artificial. Os usos de Emília Perez e O Brutalista, portanto, dificilmente acarretariam em alguma desclassificação de seus atores.
Mas será que a repercussão poderia influenciar os votantes do Oscar? O prazo para escolher os indicados terminou na sexta, dia 17 de janeiro. O uso de IA em Emília Perez passou meses sem muito alarde. A entrevista de Jancsó foi no dia 11 de janeiro, mas só virou manchete no último fim de semana (depois que as urnas fecharam).
Ou seja: é seguro dizer que ambos os filmes continuarão a dominar as indicações. Resta saber, porém, se os quase 10 mil votantes do Oscar vão levar a IA em conta na hora de escolher os vencedores, que serão anunciados no dia 2 de março.
Pode ser que sim – mas não seria surpresa se o assunto morresse na praia. Afinal, a verdade é que filmes auxiliados por IA devem se tornar a regra, e não a exceção, num futuro não muito distante.
IA em Hollywood já é realidade
Em 2023, atores e roteiristas nos EUA passaram meses em greve, o que bagunçou todo o calendário do cinema e da TV. Dentre as principais pautas estavam uma remuneração justa (o streaming, que ainda é mal regulado, paga um valor baixo em relação ao número de exibições nas plataformas) e proteções contra o uso crescente da IA generativa.
O que ficou acordado ao final das greves: não se pode usar IA para criar roteiros. Mas atores podem ceder sua imagem e voz para treinar programas – que, por sua vez, poderão replicar imagens e áudios artificiais dos artistas.
Com o tempo, esses acordos tendem a ser revistos (especialmente nos EUA, onde cada estado pode criar leis mais e menos frouxas) – e a IA, cada vez mais usada. É o caso de produções recentes como “Aqui”, que treinou modelos generativos com filmes antigos de Tom Hanks e Robin Wright para ajudar a criar as versões rejuvenescidas dos atores.
Há quem se oponha a isso, claro. Há uma mensagem no final do novo terror Herege, com Hugh Grant, que ressalta que nenhuma IA foi usada durante a produção.
Hollywood é uma indústria e, como qualquer outra indústria, não escapará da inteligência artificial. O importante, então, será aprender a como usá-la em prol dos artistas, dos profissionais dos bastidores e, claro, da história contada na tela.
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