Quarenta ovos memoráveis

Uma das canções mais famosas da história, Yesterday, começou com ovos. Antes que lhe ocorressem versos românticos para preencher a melodia, Paul McCartney, talvez inspirado por um café da manhã, cantarolava: “Scrambled eggs/ Oh my baby how I love your legs/ Not as much as I love scrambled eggs” (Ovos mexidos/ Oh, querida, como eu amo suas pernas/ Não tanto quanto amo ovos mexidos). O alimento foi omitido mais tarde, dando lugar à letra que conhecemos hoje: “Yesterday/ All my troubles seemed so far away/ Now it looks as though they’re here to stay” (Ontem/ Todos os meus problemas pareciam tão distantes/ Agora parece que vieram para ficar). Se uma porção de ovos mexidos fez tamanho estrondo em 1965, imaginem do que seria capaz uma bandeja contendo quarenta. Entediados com a crise do Pix e as guerras mundiais, os brasileiros andam comovidos com uma tragédia pessoal. Solidarizam-se com o sofrimento da fisiculturista, empresária, bacharel em direito e ex-dançarina do grupo musical Tchakabum Gracyanne Barbosa, que, recém-confinada no reality show Big Brother Brasil, não pode mais consumir seus quarenta ovos diários. Omeletes com albumina não fazem parte do cardápio da atração global. The post Quarenta ovos memoráveis first appeared on revista piauí.

Jan 23, 2025 - 06:03
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Quarenta ovos memoráveis

Uma das canções mais famosas da história, Yesterday, começou com ovos. Antes que lhe ocorressem versos românticos para preencher a melodia, Paul McCartney, talvez inspirado por um café da manhã, cantarolava: “Scrambled eggs/ Oh my baby how I love your legs/ Not as much as I love scrambled eggs” (Ovos mexidos/ Oh, querida, como eu amo suas pernas/ Não tanto quanto amo ovos mexidos). O alimento foi omitido mais tarde, dando lugar à letra que conhecemos hoje: “Yesterday/ All my troubles seemed so far away/ Now it looks as though they’re here to stay” (Ontem/ Todos os meus problemas pareciam tão distantes/ Agora parece que vieram para ficar). Se uma porção de ovos mexidos fez tamanho estrondo em 1965, imaginem do que seria capaz uma bandeja contendo quarenta.

Entediados com a crise do Pix e as guerras mundiais, os brasileiros andam comovidos com uma tragédia pessoal. Solidarizam-se com o sofrimento da fisiculturista, empresária, bacharel em direito e ex-dançarina do grupo musical Tchakabum Gracyanne Barbosa, que, recém-confinada no reality show Big Brother Brasil, não pode mais consumir seus quarenta ovos diários. Omeletes com albumina não fazem parte do cardápio da atração global.

Teme-se que, como um Popeye sem espinafre, Gracyanne sem a ração de aminoácidos essenciais perca sua vitalidade, sobretudo quando for submetida ao sistema chamado de “xepa”, em que os participantes do programa sofrem restrições alimentares mais severas. Esse tem sido, até agora, um dos trunfos dramáticos da competição. No primeiro dia de confinamento, a musa fitness teve acesso a míseros nove ovos. 

 

Comovida com tal martírio, a piauí fuçou enciclopédias empoeiradas e consultou especialistas empolados para listar quarenta ovos memoráveis que, nestes tempos difíceis, podem nos consolar os olhos e a alma.

 

1- Scrambled Eggs, de Paul McCartney

No vídeo abaixo, editado por um fã, o beatle rememora os ovos mexidos da inacabada Yesterday e canta a versão original.

 

2- O ovo, música de Hermeto Pascoal

O quase nonagenário multi-instrumentista compôs uma canção que faz do ovo uma metáfora para a renovação da vida. A repetição da frase “tem uma galinha que põe cem ovos por mês, só não consigo entender como põe três de cada vez” ressalta, com sutileza de mestre, o mistério e a maravilha da natureza. Abaixo, pode-se ver o músico tocando O ovo dentro de um rio.

 

3- O ovo e a galinha, de Clarice Lispector

 

Um célebre conto de Clarice Lispector, em que ela esbanja uma de suas especialidades: extrair de algo singelo uma reflexão existencial. Clarice dizia que, de todos os contos que escreveu, esse era o que menos compreendia. Chegou a apresentá-lo numa leitura no Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, ao qual foi convidada.Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa. […] O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso.” Publicado em seu livro de contos A Legião Estrangeira (1964), ele pode ser lido aqui.

 

4- “O beijo do ovo”, cena de Tampopo (1985)

Um clássico das comédias gastronômicas, o longa-metragem japonês Tampopo: os brutos também comem spaghetti conta a história de um motorista de caminhão e uma comerciante que juntos tentam encontrar a receita perfeita de lámen. Numa das cenas mais eróticas, o homem, prestes a beijar a mulher, quebra antes um ovo cru na própria boca e a transfere para a companheira, numa mistura salivar que evoca nos espectadores tensão, beleza e asco.

 

5- O homem-ovo dos Beatles

Os Beatles, não satisfeitos com os ovos mexidos, voltaram à carga dois anos depois – dessa vez, para tratar de um “homem-ovo” (eggman), citado na canção I am the Walrus. Poucos sabem que essa figura foi inspirada num ser de carne e osso: Ted O’Dell, um distribuidor de ovos de Newquay, na Inglaterra, que conheceu a banda em 1967. Ao menos é o que conta o documentário Magical Mistery Tour Memories (2008), dirigido por Dave Lambert.

 

6- A banda The lovely eggs

Eis um grupo inglês de punk rock psicodélico lo-fi que decidiu se autodenominar “Os ovos adoráveis”. Fundado em 2006, deu ao seu álbum de estreia o título Se vocês fossem frutas. Outro disco da banda, de 2018, chama-se Essa é a terra dos ovos, e o último, de 2024, recebeu o nome de Eggsistentialism. Não sabemos se o grupo conhece Gracyanne, mas talvez devesse.

 

7- A banda gaúcha Ovo Frito

Simpáticos jovens da novíssima geração do rock do Rio Grande do Sul, um dos estados que mais abastecem os supermercados brasileiros com cartelas de ovos brancos e caipiras. O grupo foi fundado em 2021, em Canoas. Não se diz inspirado em Hermeto ou Paul McCartney, mas em Jorge Ben, Os Mutantes, O Terno, Boogarins, Crumb e Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.

 

8- Os 50 ovos de Paul Newman

As peripécias de Gracyanne têm precedente: em uma das cenas de Rebeldia Indomável (1967), o protagonista Luke, interpretado por Paul Newman, garante aos seus companheiros de prisão que é capaz de comer cinquenta ovos numa tacada só. Um deles duvida, é claro. Luke devora então cinquenta ovos cozidos, deixando uma dezena de companheiros perplexos e provavelmente enojados.

 

9- A coleção de ovos do Teatro-Museu Dalí, na Espanha

Antes de morrer, Salvador Dalí fundou um museu dedicado à sua própria obra em Figueres, cidade onde nasceu. O espaço, inaugurado em 1974, conserva mais de 1500 peças. Na fachada vermelha, o visitante se depara com uma das mais curiosas do acervo: uma coleção de ovos gigantes.

 

10- Fotopoemações, de Anna Maria Maiolino (1981)

Na série Vida afora, da artista visual brasileira Anna Maria Maiolino, ovos aparecem inesperadamente em ambientes domésticos. As Fotopoemações, que fazem parte da série, mostram algumas dessas imagens excêntricas. Numa delas, vê-se um ovo desembrulhado sobre um papel de jornal; noutra, uma cama cheia de ovos. Há também ovos sentados em uma cadeira, entre as pernas de uma mulher, no vão de uma porta semiaberta, na beira de uma escada – cenas que transmitem tensão. A crítica de arte Pollyana Quintella escreveu que “as situações” retratadas “demandam cautela, delicadeza e zelo. Um único gesto abrupto e tudo pode ruir, tudo está prestes a rolar e cair”.

 

11- Omelete Man (1998), segundo disco de Carlinhos Brown

“Omelete Man é o cara que se mistura, que absorve diferentes culturas, é o típico brasileiro”, definiu Marisa Monte, produtora musical do álbum. O ovo como uma cola entre culturas. Contendo hits como Faraó, Vitamina ser e Busy man, o disco de Carlinhos Brown teve a participação de Bernie Worrell, da banda Funkadelic, e arranjos de Jaques Morelenbaum. Abaixo, a música-título.

 

12- O ovo frito de Regina Casé em Nardja Zulpério (1989)

Entre 1989 e 1994, Regina Casé protagonizou Nardja Zulpério, besteirol teatral de autoria de Hamilton Vaz Pereira, seu ex-marido e companheiro na trupe Asdrúbal trouxe o trombone. No espetáculo, ela interpretava Nardja, uma atriz comprometida com vários trabalhos simultâneos. Depois de chegar em casa exausta, Nardja respondia recados da secretária eletrônica e cumpria tarefas domésticas – entre elas, fritar um ovo. Por cinco anos, enquanto esteve em cartaz, Regina Casé fritou um ovo em cada apresentação.

 

13- Eggs and Sausages, de Tom Waits (1975)

A voz rascante do cantor narra, na introdução de Eggs and sausage (In a Cadillac with Susan Michelson), uma cena prosaica da vida americana: uma noite qualquer numa lanchonete povoada por jukeboxes, “eggs and sausages” (ovos e salsichas). O narrador, sentindo-se sozinho e desconectado do mundo moderno, vocifera uma lista de pratos que lhe fazem companhia. No fundo mesmo, seus verdadeiros amigos são os “eggs and sausages”.

 

14- Os ovos fantasmas

No filme Os caça-fantasmas (1984), um dos acontecimentos que fazem Dana (Sigourney Weaver) se convencer de que vive numa casa assombrada envolve ovos. A personagem chega em casa depois de fazer compras no supermercado, tira uma cartela de ovos da sacola, coloca-os no balcão da cozinha. É quando, subitamente, a embalagem se abre e os ovos explodem espontaneamente. Obra de espíritos, naturalmente.

 

15- Os dois ovos de Francisco

No filme Dois Filhos de Francisco (2005), o pai de Zezé di Camargo e Luciano, interpretado por Ângelo Antônio, observa a cantoria de um galo pela manhã e é acometido por uma ideia: se alimentar os filhos com um ovo cru, eles cantarão bem como um galináceo? Os pobres meninos foram obrigados a testar, e, seja por causa do ovo ou não, em pouco tempo eram talentos mirins em ascensão.

 

16- O ovo cru do Rocky

A ideia de que o ovo cru dá forças ao ser humano é comum no cinema. No primeiro filme da franquia Rocky, de 1976, o lutador acorda às quatro da manhã, quebra cinco ovos num copo e toma tudo de uma vez. Veja só, Gracyanne: sem albumina.

 

17- O ovo proibido de Macabéa

Clarice Lispector também recorreu ao ovo no clássico A hora da estrela (1977). Ao descrever a personagem Macabéa, o narrador conta que ela “tinha medo grande de pegar doença ruim lá embaixo dela”. O medo era estimulado pela tia, que a ensinara, por exemplo, que comer ovo fazia mal ao fígado. Mas quando sentia fome, Macabéa não resistia e comia um ovo duro de botequim. No dia seguinte, obediente à dor, sentia uma fisgada no lado esquerdo do abdômen, oposto ao fígado. “Pois era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra ‘realidade’ não lhe dizia nada.”

 

18- Guerra de ovos em O cravo e a rosa (2000)

Assim como as tortas de chantilly, os ovos são um elemento tradicional das comédias pastelão. Em O cravo e a rosa, novela de época escrita por Walcyr Carrasco, fomos presentados com um divertido desperdício que deixaria Gracyanne desolada: a personagem Catarina (Adriana Esteves), irritada com uma provocação feita pelo noivo Petruchio (Eduardo Moscovis), de quem desdenha, parte para uma lambuzenta guerra de ovos contra ele.

 

19- Guerra de ovos em Alma Gêmea (2005)

Cinco anos depois, Walcyr Carrasco voltou à carga. Dá-lhe ovos, dessa vez como instrumento numa briga de ciúmes entre Olívia (Drica Moraes) e sua rival, Terezinha (Andrea Avancini).

 

20- Ovo frito, uma novela que nunca existiu

Hat trick de Walcyr Carrasco. Era pandemia quando se alastrou na internet um boato de que ele vinha preparando uma novela chamada Ovo frito. Mas não passava de uma invenção zombeteira dos internautas, motivada por uma frase de Carrasco segundo a qual alguns influenciadores topavam fazer posts em troca de “arroz com ovo”. O dramaturgo, achando graça, postou mais tarde uma foto segurando um ovo frito.

 

21- A granja de Walcyr Carrasco

Talvez arrependido do sacrifício de tantos ovos em nome do entretenimento, Carrasco decidiu começar a criar galinhas. Em entrevista ao programa Mais Você, de Ana Maria Braga, explicou a proporção certa de fêmeas e machos no galinheiro (quatro para um) – mas esclareceu que não come os bichos, só seus ovos.

 

22- O ovo de Magritte

No autorretrato La Clairvoyance (1936), René Magritte observa um ovo repousando sobre a mesa enquanto pinta um pássaro. Ovo, voo: uma metáfora sobre as possibilidades de futuro.

 

23- Dois ovo frito, de Mc Bangu

Um Banksy carioca; um Gorillaz da Zona Oeste. Assim poderíamos descrever o perfil anônimo Mc Bangu, cujo rosto não se conhece. O rapper usa imagens feitas por inteligência artificial para divulgar suas músicas – entre elas, Dois ovo frito. Uma homenagem ao universalismo desse alimento: “Não tem tempo ruim, não tem conflito/ pego a frigideira e meto dois ovo frito/ Tem que cozinhar, mas não fico aflito/ Pego a frigideira e faço dois ovo frito”.

 

24- A “cabeça de ovo” em It, a Coisa (2017)

Uma cena marcante do filme, baseado em obra homônima de Stephen King, é a aparição da chamada “cabeça de ovo”. Nos deparamos com Ben (Jeremy Raymond Taylor) folheando um livro numa biblioteca, informando-se sobre uma tragédia ocorrida em 1908 na qual, depois de uma caça de ovos de Páscoa, 88 crianças morreram numa explosão. Ao fechar o livro, Ben vê um ovo de Páscoa queimando na biblioteca. Caminha em direção a ele, e é quando…

 

25- Ovos verdes e presunto

Autor de O Grinch, livro conhecido pela adaptação aos cinemas estrelada por Jim Carrey, Dr. Seuss escreveu um clássico da literatura infantil norte-americana intitulada Ovos verdes e presunto (1960). Até virou desenho animado na Netflix, em 2019. Na história, um personagem tenta insistentemente convencer o outro, em situações esdrúxulas, a comer tal combinação excêntrica: ovos verdes e presunto.

 

26- O ovo machadiano

Em uma crônica publicada no jornal A semana, em 1892, Machado de Assis refletiu: “Tudo é ovo, amigo. A carta que estás escrevendo à tua namorada […] o ovo de quatro sopapos que te façam mudar de rumo. Tudo é ovo. O próprio ovo da galinha, bem considerado, é um ovo”. O alimento é tratado no sentido de “início, origem”. Em outras três textos, Machado utilizou uma expressão em latim, ab ovo, que significa “desde o ovo/origem”. Foram eles Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e o conto Evolução (1906).

 

27- O ovo da serpente, de Ingmar Bergman (1977)

Única obra hollywoodiana de Bergman, O ovo da serpente retrata o surgimento do nazismo. O título foi inspirado em uma passagem da tragédia shakespeariana Júlio Cesar, sobre o momento em que Roma sucumbiu a Júlio César. Brutus, numa passagem famosa, compara o imperador a “um ovo de serpente que, por sua natureza, uma vez chocado se tornará nocivo; razão pela qual deve ser morto ainda na casca”. 

 

28- O resgate de um ovo em Pinguins de Madagascar (2014)

Os pinguins adultos não se desesperam quando perdem alguns ovos durante a migração, no filme. Os bebês pinguins, contudo, não se conformam e tentam salvar o ovo extraviado. Enfrentam focas, quedas, geleiras, tudo para proteger o amiguinho que ainda não nasceu. A cena é eletrizante.

 

29- Os ovos de André Dahmer

 

30- Oeufs, de Marcel Broodthaers (1924 – 1976)

Ovos, em francês. Ele sempre fizeram parte das instalações do poeta e artista belga Marcel Broodthaers. Servem a reflexões sobre o consumo, a fragilidade e a repetição da vida cotidiana. “Tudo é ovo. O mundo é ovo. O mundo nasceu da grande gema de ovo, o Sol”, escreveu o artista em 1966. ⁠Em Oeufs (1965), uma de suas obras, a esperança representada pelos ovos está quebrada, encarcerada em uma gaiola.

 

31- O carro do ovo, de Zeca Pagodinho (2019)

A consagração de um símbolo do subúrbio carioca: a kombi que anuncia uma bandeja de trinta ovos a 10 reais (com a inflação recente, o valor subiu para 15). O samba foi composto por Marco Antonio Diniz e Rosânia Alves Vilaça, e não poderia ter outro intérprete. Os versos fazem referência a uma frase usada pelos vendedores mais astutos: “A galinha chorou!” Diz assim uma das estrofes: “A galinha chorou, chorou de felicidade/ Chegou o carro do ovo pra fortalecer nossa comunidade/ O carro do ovo parece o do papa/ Meu Deus, a muvuca sai correndo atrás.”

 

32- Um sorriso, de Carlos Drummond de Andrade

Publicada no livro Fala, amendoeira (1957), a crônica descreve o nascimento de um pato, desde o momento em que a ave começa a tentar quebrar a casca do ovo até a hora em que enfim se liberta. Drummond, como quem observa tudo por uma microcâmera, narra o acontecimento em detalhes: “Um pequeno ser dispõe-se a vir ao mundo. O que se percebe através da fenda aberta no ovo é uma fisionomia ambígua, tão indeterminada ainda que mais parece a cara grotesca de um velho, com imenso nariz e a calva camuflada pelos cabelos remanescentes. Já a fase seguinte é bela. A cabeça desaparece sob o palpitar de asas aflitas, que tentam criar um ritmo. Tudo está molhado pela seiva da vida, e sente-se a presença desse maravilhoso poder de voo, concedido até à espécie rasante dos patos.”

 

33- O primeiro ovo frito da música

Assim é considerado o som que se ouve ao fundo de Alan’s Psychedelic Breakfast, música do Pink Floyd que faz parte do disco Atom Heart Mother (1970) – aquele da vaquinha na capa. Numa viagem lisérgica de 13 minutos, foram inseridos registros sonoros do roadie da banda, Alan Styles, tomando seu café da manhã.

 

34- Os ovos de Greta Garbo 

A atriz sueca (1905-1990) cultivou uma reputação enigmática. Abandonou o cinema no auge do sucesso e viveu reclusa por mais de cinquenta anos no seu apartamento em Manhattan. De acordo com o autor do livro As divas na cozinha, Evânio Alves, durante boa parte desse tempo Garbo só teve a companhia da empregada Claire. Não gostava de ter muitos serviçais. Quando Claire folgava, a atriz tinha de se virar. Na falta de dotes culinários, almoçava e jantava sempre dois ovos pochés com legumes, aos quais acrescentava uma colherada de creme azedo salpicado de sal. Segundo o mesmo livro, o prato mais complicado que alguém viu Garbo preparar foi uma omelete, que ela cozinha em uma das cenas do filme Ninotchka (1939). Pela interpretação (omelete inclusa), recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. 

 

35- Ovo de codorna, de Luiz Gonzaga (1971)

Composta por Severino Ramos, autor de outros sucessos do rei do baião, a música conta a história de um sujeito “madurão”, que já passou “da flor da idade”, mas ainda tem alguma “mocidade”. Para não fazer feio frente à companheira nos momentos íntimos, diz que vai comer ovo de codorna.

 

36- Os ovos em A grande noite (1996)

Estrelada por Isabela Rossellini e dirigido por Campbell Scott e Stanley Tucci, essa comédia conta a história de dois irmãos de família italiana que tentam tocar um restaurante em New Jersey nos anos 1950. A certa altura, almejando conquistar um investidor famoso, servem um memorável jantar para agradá-lo. O sujeito, porém, não aparece. No dia seguinte, afetados pela pressão e pelas brigas entre si, os irmãos acordam exaustos. A cena final dura dois minutos e é belíssima: um deles prepara uma omelete para comer com pão no café da manhã, serve um pedaço ao garçom da “grande noite”, que acorda em seguida, e um terceiro pedaço ao irmão, que aparece na cozinha pouco depois. Em total silêncio, os três compartilham a refeição mais simples do mundo, finalmente em paz.

 

37- O ovo de galinha, de João Cabral de Melo Neto (1961)

Publicado no livro Serial (1961), o poema é exemplo da objetividade e racionalidade do lirismo cabralino. O poeta descreve um ovo. Cerca o alimento por diferentes lados, usando a visão e o tato. Na primeira estrofe, o olho mira o objeto: “Ao olho mostra a integridade/ de uma coisa num bloco, um ovo./ Numa só matéria, unitária,/ maciçamente ovo, num todo.” Pouco depois, é a vez das mãos: “O ovo revela o acabamento/ a toda mão que o acaricia,/ daquelas coisas torneadas/ num trabalho de toda a vida.”

 

38- “Eggs! Eggs! Eggs!”

Num de seus clássicos mais subversivos, Pink Flamingos (1972), o cineasta John Waters inventou uma senhora hiperfocada em ovos. A personagem, acomodada em um berço, repete insistentemente que quer comer ovos. Com o bordão “Eggs! Eggs! Eggs!”, tensiona as cenas ao limite.

 

39- Ovonovelo, de Augusto de Campos (1956)

O poeta concreto lançou em 1956 um poema “verbivocovisual”, que embaralha som, imagem e significado das palavras. E lá está o ovo, no meio do novelo, o novo no velho, o filho em folhas. A morte contida na vida, a vida contida na morte.

 

40- Um dos muitos ovos de Bataille

Você, leitor que chegou até aqui, deve estar enfastiado, quiçá nauseado com tantas menções a ovos, omeletes e galináceos. Mas pense no martírio de Gracyanne e reconsidere suas reclamações. Por fim, aqui vai o último ovo, dessa vez escondido. Numa das cenas mais perturbadoras de A história do olho (1928), livro seminal da chamada “literatura de transgressão”, Georges Bataille descreve as perversões sexuais de um casal de adolescentes. Descobrimos, em determinado momento, que um dos personagens da trama, Simone, tem o estranho fetiche de esconder ovos no… Lá mesmo. Onde todo ovo começa. E nada mais a dizer. Difícil pensar num encerramento melhor para esta lista.

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