Houve duas oportunidades para a paz
Escrevia anteontem o bem informado New York Times que o líder da diplomacia americana, Antony Blinken, rejeitou no final de 2022 a sugestão do então chefe do estado-maior, general Mark Milley, de ser proposta uma negociação de paz com a Rússia num momento em que o exército ucraniano estava em situação relativamente favorável no campo de batalha. A opinião de Blinken venceu a do Pentágono e a guerra da Ucrânia continuou.Meses antes, em abril de 2022, quando o conflito levava semanas, houve uma negociação em Istambul entre russos e ucranianos, com o documento já finalizado e uma reunião prevista entre Putin e Zelensky. A Ucrânia aceitava a neutralidade e perdia a Crimeia. Faltavam as assinaturas, mas em visita relâmpago a Kiev, o PM britânico, Boris Johnson, convenceu os ucranianos a prosseguirem a guerra. Teriam o apoio incondicional dos EUA e da Europa.Sabemos agora que houve duas oportunidades para acabar com a guerra da Ucrânia. Também sabemos que, centenas de milhares de mortos depois, Kiev teve um resultado péssimo. O país está de rastos, com a infraestrutura destruída, e não escapará a perdas territoriais e, na melhor das hipóteses, ao estatuto de neutralidade. Apesar dos noticiários enganadores, no campo de batalha a situação é muito difícil para o exército ucraniano, que estará perto do colapso: não há recrutas nem munições; as unidades da frente estão a recuar em muitos setores ou arriscam-se a perigosos cercos; as deserções e baixas em combate contam-se em larga escala. Os países ocidentais gastaram mais de 450 mil milhões de dólares, forneceram armas e treino militar, arriscaram a III Guerra Mundial, forneceram as receitas do Estado, pagaram os salários e fecharam os olhos a abusos graves, como repressão religiosa, corrupção, proibição de partidos. A estratégia ocidental falhou de maneira evidente. A ideia era partir o império russo em pedaços e gerir os países resultantes. Seria um dos maiores triunfos geopolíticos da História, mas revelou-se um perfeito disparate. A Rússia foi subestimada, tornou-se mais forte, juntou-se à China, numa aliança de que ouviremos falar muitas vezes nas próximas décadas.Após a paz, a Ucrânia será um país sem qualquer soberania ou até um Estado falhado e caótico, com um quinto do território ocupado pela Rússia (habitado por russófonos) e o resto inviável, dependente dos subsídios ocidentais e com uma crise demográfica sem paralelo. A Ucrânia "independente" terá menos de 30 milhões de pessoas (tinha 51 milhões em 1991). Será um país pobre, com elevada proporção de órfãos e viúvas. Integração europeia? Isso levará pelo menos uma geração.A Europa é o outro grande derrotado deste conflito, pois perdeu acesso às matérias-primas baratas da Rússia. A indústria europeia usa energia cara e deixou de ser competitiva. A UE terá de gastar fortunas na sua defesa e na reconstrução da Ucrânia. Dinheiro emprestado, naturalmente, que as gerações futuras vão pagar. Países como Portugal terão de mudar de vida, pois perdem os generosos subsídios europeus.
Escrevia anteontem o bem informado New York Times que o líder da diplomacia americana, Antony Blinken, rejeitou no final de 2022 a sugestão do então chefe do estado-maior, general Mark Milley, de ser proposta uma negociação de paz com a Rússia num momento em que o exército ucraniano estava em situação relativamente favorável no campo de batalha. A opinião de Blinken venceu a do Pentágono e a guerra da Ucrânia continuou.
Meses antes, em abril de 2022, quando o conflito levava semanas, houve uma negociação em Istambul entre russos e ucranianos, com o documento já finalizado e uma reunião prevista entre Putin e Zelensky. A Ucrânia aceitava a neutralidade e perdia a Crimeia. Faltavam as assinaturas, mas em visita relâmpago a Kiev, o PM britânico, Boris Johnson, convenceu os ucranianos a prosseguirem a guerra. Teriam o apoio incondicional dos EUA e da Europa.
Sabemos agora que houve duas oportunidades para acabar com a guerra da Ucrânia. Também sabemos que, centenas de milhares de mortos depois, Kiev teve um resultado péssimo. O país está de rastos, com a infraestrutura destruída, e não escapará a perdas territoriais e, na melhor das hipóteses, ao estatuto de neutralidade. Apesar dos noticiários enganadores, no campo de batalha a situação é muito difícil para o exército ucraniano, que estará perto do colapso: não há recrutas nem munições; as unidades da frente estão a recuar em muitos setores ou arriscam-se a perigosos cercos; as deserções e baixas em combate contam-se em larga escala.
Os países ocidentais gastaram mais de 450 mil milhões de dólares, forneceram armas e treino militar, arriscaram a III Guerra Mundial, forneceram as receitas do Estado, pagaram os salários e fecharam os olhos a abusos graves, como repressão religiosa, corrupção, proibição de partidos. A estratégia ocidental falhou de maneira evidente. A ideia era partir o império russo em pedaços e gerir os países resultantes. Seria um dos maiores triunfos geopolíticos da História, mas revelou-se um perfeito disparate. A Rússia foi subestimada, tornou-se mais forte, juntou-se à China, numa aliança de que ouviremos falar muitas vezes nas próximas décadas.
Após a paz, a Ucrânia será um país sem qualquer soberania ou até um Estado falhado e caótico, com um quinto do território ocupado pela Rússia (habitado por russófonos) e o resto inviável, dependente dos subsídios ocidentais e com uma crise demográfica sem paralelo. A Ucrânia "independente" terá menos de 30 milhões de pessoas (tinha 51 milhões em 1991). Será um país pobre, com elevada proporção de órfãos e viúvas. Integração europeia? Isso levará pelo menos uma geração.
A Europa é o outro grande derrotado deste conflito, pois perdeu acesso às matérias-primas baratas da Rússia. A indústria europeia usa energia cara e deixou de ser competitiva. A UE terá de gastar fortunas na sua defesa e na reconstrução da Ucrânia. Dinheiro emprestado, naturalmente, que as gerações futuras vão pagar. Países como Portugal terão de mudar de vida, pois perdem os generosos subsídios europeus.
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